-->
-->
25.04.2022 | Notícias - Jornal Público

A energia como fator de competitividade - Sandra Santos

Artigo de opinião de Sandra Santos, membro da Direção e líder do Grupo de Trabalho Energia, do BRP, CEO da BA Glass, publicado no jornal Público, a 25 de abril de 2021.
A energia como fator de competitividade - Sandra Santos

O imperativo de acelerar a transição energética

A energia tem sido um importante fator de transformação, desenvolvimento e competitividade das diferentes nações, sendo impossível conceber o futuro das nossas vidas e do nosso planeta sem este recurso. As novas formas de energias renováveis baseadas no sol, no vento e no mar mostraram-se alternativas mais eficientes e sustentáveis, permitindo uma convivência mais responsável com o ambiente e com a vida humana.

Pelas suas características e fatores endógenos, Portugal encontra-se numa posição privilegiada face a outros países, no entanto continua a depender de energia importada e cara e a utilizar a energia de uma forma ineficiente. Esta situação agravou-se com a crise energética que vivemos afetando a maioria das empresas e a sociedade em geral.

Enquanto Associação enfocada no desenvolvimento do país, a Associação Business Roundtable Portugal (BRP) – constituída por 42 das maiores empresas em Portugal, que, em conjunto, empregam mais de 300.000 pessoas -, constituiu um grupo de trabalho para compreender melhor a natureza da problemática da energia em Portugal e apresentar caminhos de atuação no curto e médio prazo, quer para as empresas, quer para o Estado. Propostas concretas e pragmáticas que permitam ao país criar mais riqueza, ser mais sustentável e reforçar a sua competitividade no panorama europeu.

Nesta reflexão conjunta, reunimos uma parte significativa dos Presidentes e CEO dos nossos Associados e muitos dos especialistas internos e externos, e identificámos os principais fatores responsáveis pela intensificação das pressões inflacionistas (de curto e médio prazo) sobre o preço da energia no mercado europeu. Discutimos a redução significativa dos investimentos na extração e produção de energias fósseis, a multiplicação de incentivos à descarbonização, a aceleração económica pós-covid, os efeitos do conflito Rússia-Ucrânia e a burocratização dos investimentos em energias renováveis.

Subinvestimentos na produção de energias fósseis

De acordo com o Statistical Review World Energy 2021 da BP, as reservas confirmadas de fontes primárias de energia de base carbónica serão suficientes para várias décadas – 49, 50 e 139 anos, considerando o ritmo atual de consumo de gás natural, petróleo e carvão, respetivamente.

No entanto, as decisões de descarbonização reduziram a expetativa de necessidade futura de energias primárias de base carbónica, e, desta forma, promoveram a queda imediata do investimento na exploração das reservas confirmadas. O pressuposto subjacente residia na ideia de que se não há procura futura, o investimento em capacidade futura deveria ser ajustado no imediato.

Apesar de não haver dúvidas quanto ao papel relevante que, em particular, o gás natural terá nas próximas duas décadas, enquanto energia de transição, permanece a incerteza na Europa quanto à inclusão ou não do gás natural na taxonomia verde.

A escassez gerada pelo subinvestimento provocou um aumento significativo dos preços num curto espaço de tempo, não dando oportunidade aos agentes económicos para adaptarem as suas estratégias e operações.

Multiplicação dos incentivos à descarbonização

Nos últimos anos, tanto os governos como as entidades supranacionais e/ou os investidores ESG, têm criado vários incentivos financeiros, reputacionais e outros para promover a adoção das boas práticas de sustentabilidade e, assim, acelerar a descarbonização e, portanto, a redução do uso de energias de base carbónica. São exemplos, as taxas de carbono, mas também os incentivos voluntários (ou autoimpostos), ou as regras de financiamento e dos fundos ESG.

As decisões unilaterais (e muitas vezes descoordenadas) de países e agentes económicos que antecipam o fecho das centrais a carvão e/ou nucleares, sendo uma boa notícia para o ambiente, aumentam a pressão sobre as restantes fontes primárias de energia.

No curto-médio prazo, a produção de energia renovável é insuficiente para substituir totalmente a energia de fontes fósseis. A transição para uma sociedade mais verde passa também pela redução do consumo da energia, através do uso de tecnologias muito mais eficientes.

São necessários mais investimentos, e é preciso simplificar e dar resposta a quem quer investir, em sintonia com o meio ambiente.

Aceleração económica pós-covid

A contração da atividade económica durante a pandemia resultou na maior redução do consumo de energia desde a Segunda Guerra Mundial. O PIB mundial contraiu 3,5%, o consumo de energia primária 4,5% e as emissões de carbono associadas à utilização de energia 6,3%, o que representou menos 2,1 giga toneladas (Gt) de dióxido de carbono (CO2) emitidas, segundo o relatório da BP.

Com a pandemia a entrar numa fase de regressão, surgiu uma retoma acelerada da atividade económica. A economia global ganhou ritmo e a procura de energia rapidamente ultrapassou os níveis pré-crise. Quando a contração da oferta encontra uma expansão da procura, o mercado reage com um significativo aumento de preços – foi o que vivemos já no segundo semestre de 2021.

Pressões inflacionistas exacerbadas pela guerra

O contexto, já por si difícil, tornou-se mais complexo com o conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, e com a subsequente incerteza que passou a assombrar a economia global, mas fundamentalmente europeia, que se debate com um problema que não é novo, mas agora crucial – a dependência do gás, petróleo e carvão russos.

Procurámos na Associação BRP concentrarmo-nos no que está ao alcance das nossas empresas e do nosso Governo para mitigar os efeitos desta crise, assegurando a competitividade do nosso país.

As empresas dispõem de tecnologias e práticas de benchmarking relevantes para aumentarem a sua eficiência energética. Cabe-lhes investir em medidas de autoconsumo renovável, celebrar contratos de fornecimento de energia renovável de médio-longo prazo, integrar comunidades de energia e assegurar a existência de quadros qualificados capazes de executarem as suas estratégias de transição para atividades mais neutras.

A eletrificação das atividades, sempre que tecnologicamente possível e se associada à produção elétrica de fontes renováveis, contribui duplamente para a redução da intensidade energética e da pegada carbónica de Portugal. Para as atividades mais intensivas em energia, e em que a eletrificação (ainda) não é uma opção tecnicamente viável, o hidrogénio verde pode ser uma solução a mais curto prazo, porque menos dependente de disrupções tecnológicas.

Ao Governo pede-se, no imediato, que assegure que a competitividade do país e das suas empresas não seja posta em causa face a outros países, em particular nas de maior intensidade energética. É necessário agir já e com medidas efetivas, que impactem não só o preço da eletricidade, mas também o do gás, como outros países europeus já o fizeram. Em causa está a competitividade das nossas empresas, mas também que maiores disrupções nas cadeias de abastecimento não se propaguem de forma incontrolada.

Apesar das medidas excecionais recentemente apresentadas pelo Estado, é importante reforçar mecanismos que permitam às empresas adotar o que delas se espera. E outros que acelerem, ainda mais, a transição energética, favoreçam a expansão significativa da produção eólica e solar e suportem o desenvolvimento e uso de hidrogénio verde.

Não podemos não responder aos atuais desafios. Uma ação conjunta comprometida, célere e estruturada abrirá caminho para um país capaz de atrair investimentos, empresas e talento. Um país mais independente, competitivo e sustentável, e de oportunidades para todos.

Aceda aqui ao artigo no jornal Público.